It's strange what desire will make foolish people do...
Wicked Games - cover HIM
Em prosseguimento ao Making of dos meus contos na Editora Estronho, faço um parenteses para dizer que muito feliz participo de mais duas antologias da mesma, uma que queria muito (muito) participar e outra que nem esperava (e peguei o bonde andando de ultima hora) fazer parte, mas me deixou igualmente feliz. São a Ira de VII Demônios, ultimo livro da série dos 7 pecados e Quando o Saci encontro os mestres do terror, sobre folclore brasileiro.
Mas hoje falarei do segundo livro que participei da série dos 7 pecados da Estronho, o VII Demônios.
LUXURIA
(ASMODEUS)
Pois é, eis outro conto bem inesperado. Eu tinha uma idéia inicial, mas
no final o conto foi sobre outra coisa. Eu ia escrever sobre um jovem padre que
é tentado por uma criatura sobrenatural (que acabei usando em outro conto que posteriormente submeti a outra seleção, mas não foi escolhido). Estava esperando chegar perto do mês
para envio do conto, quando a coisas ficam mais ‘quentes’ (entenda-se: quando o
prazo começa a acabar, a inspiração vai ficando mais ativa, mais urgente, eheh),
mas ai li uma coisa no chat sobre a antologia, o pessoal falando desse tema e
que ele podia ser escrito em duplas pelo teor dele. Eu já sabia disso, mas algo
no meio da conversa me fez lembrar de uma coisa interessante que tinha
acontecido dias antes. E o start veio.
Eu não tinha um ‘parceiro’, mas tinha tido um sonho e isso
era quase como ter uma co-autoria. Onirica, eu sei, estronho mesmo, ehehe!
Como explicar isso: não dá pra explicar, é abstrata demais a
idéia, mas foi isso mesmo! Eu resolvi usar um sonho que tivera poucos dias
antes e que, no momento, soou-me apenas curioso, irônico. Mas ele tinha as
nuances que eu precisava para um conto de luxuria, se eu o moldasse a rigor. E
foi o que fiz. A idéia foi instantânea e resolvi mudar meu conto de ultima
hora.
E deu certo. Talvez se eu escrevesse sobre a ideia original,
para este tema, a coisa não ficasse do jeito que ficou, com a intensidade que
ficou.
Foi um conto que vibrei ao saber que fora escolhido para participar da antologia, fora escrito com a intensidade que o tema pedia e a espectativa possuia a mesma ansiedade e desejo. Ele também refletia um certo amadurecimento meu nessa coisa de escrever contos, pois nao era meu forte (não sei se já é, porém, antigamente eu nem passava perto) e foi uma história bem mais dilapidada, que tem a nata da idéia, com cenas que foram cortadas, porém, não exatamente. Digamos que expressar essas cenas que não apareceram na história oficial em algum momento no papel me deu mais seiva para injetar no que ficou na versão final, enquadrada no limite estabelecido pela editora.
Essa história também possui uma série de simbolismos, seja com minha história de vida, seja com imagens do pecado em si e de seu demônio. O cenário é uma escola, ambiente que há muito queria por num conto de terror. O início se passa no final da tarde, periodo que certo ano na adolescencia estudei e que fora o mais privilegiado em se tratando de clima e historias de terror. No final da tarde, os corredores eram banhados com aquela luz alaranjada do crepusculo, num breve intervalo em que as luzes ainda não estavam acessas e o silêncio era profundo. Ninguém tinha coragem de ir até o banheiro nesse horário, pois dizia-se que as luzes se acendiam sozinhas e a loira do banheiro poderia atacar. O cenário do sonho foi esse ambiente escolar hostilizado e não podia ter sido mais apropriado. O conteudo dele pendeu de flertes a situações incestuosas, que me ajudaram a construir uma narrativa que foi inusitada até para mim. A escola se chama Clemente Azevedo, Clemente pelo autor Clemente Pozzenato de "O Quatrilho", livro que li na mesma biblioteca em que se passa a ação inicial do conto (claro que ela descrita de forma bem maior que a original) e que se constitui de uma história igualmente inusitada, esta de adultério, um dos meus livros favoritos. E Azevedo pelo sobrenome de um grande amigo meu. A tatuagem do galã cafageste da trama foi um dos pontos chaves para que eu ligasse o sonho a idéia do conto. O Ás de Espadas representa, no baralho do tarô cigano, o naipe das paixões violentas e viscerais, os confrontos e tragédias causadas por desejos carnais. Além, claro, de ter em sua figura espetada para cima a ideia clara de um falo, rs.
Minhas inspirações musicais, além das classicas trilhas de Silent Hill, estavam em composições que tinham um quê apimentado, insinuantes. A voz do Lenny Kravitz sempre me lembrou esse tipo de ritmo, de modo que ouvia muito "Fly Away", além da soturna "Glory Box" do Portishead e da versão hard de "Wicked Games" do HIM, que adoro!
"O amor floresce à luz de velas e de conversas. A luxuria é igualmente feliz em vãos escuros e em taxis e sua conversa é feita de grunidos e gritos animais." (p.16)
O trecho é de um livrinho que li da Coleção Sete Pecados Capitais (2004), da Arx, cujo tema da edição Luxuria é esplanada pelo filosofo britânico Simon Blackburn de forma histórica e investigativa. Fora uma leitura bastante interessante para que o tema luxuria ficasse mais, digamos, 'limpo' da simples ideia de sexo que inicialmente tinha. Vemos a concepção de sexo desde os tempos remotos, entranhado em tabus, mitos, religião e arte, até visões atuais, onde a liberdade e a censura ainda encontram terreno fertil para se confrontarem, se envergonharem ou serem elevados a uma lei natural da humanidade.
Eis um trechinho de degustação do meu conto (que, devido a escrita de quase última hora, não teve um titulo tão criativo assim, colocando apenas o cerne da questão): Senhora da Luxuria.
"Foi
buscar suas coisas no armário dos professores, bufando, bloqueando a mente para
a vozinha impertinente, a lhe lembrar o quão puta estaria sendo se cedesse aos
seus desejos. Queria encontrar alguém, e ter uma desculpa para abdicar ao
convite, mas não surpreendeu-se ao ver tudo quieto, vazio. Era a única que
ficava durante o crepúsculo. Enquanto revirava seus pertences na bolsa, ouviu
um gemido. Achou ser sua imaginação perturbada com a quantidade que já ouvira
só naquela semana, mas ele se repetiu, mais intenso. Arrepiou-se, olhando ao
redor, tentando localizar a fonte. Não vinha de fora.
Andou
silenciosamente, ouvindo-o brotar de algum lugar da sala de professores. Viu a
porta de mogno fechada e foi o último lugar que imaginou ser a fonte. A porta
da sala da diretora."
(...)
Os autores selecionados, com os quais compartilho esse volume:
Autora Convidada: Ana Cristina Rodrigues (De Pequenas Apostas e Grandes Tentações)
Selecionados: Adrianna Alberti (Nos braços da Tentação), Agostinho Rodrigues Torres (Nunca Suspire ao Lado de Demônios), Alliah (Morgana Memphis Depois das Gungirls), Ana Carolina Silveira (O Último Dia de Sodoma), Carlos Genauch/Simone Procheira (Persuasão), Gabriel M. Hamdan (As Crianças de Bristol), Ghad Arddhu (Cutelo de Prata e a Questão de Dandara), Gisele G. Garcia (Inocente Devassidão), Lemos Milani (H. Willians Hill), Ramon Bacelar (Síndrome de Fuseli), Raphael Montes (A Doce Jekaterina), Raphael O. Lord (Volúpia), Verônica Freitas (Senhora da Luxúria), Victor Meloni (Ressurreição)