segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Sad Xmas


Ninguém sai assobiando de um encontro com o próprio passado.

Martha Medeiros


         Cai uma chuva pesada, mas ela não usa suas asas para abriga-la. Quer sentir os pingos vivos e frios caírem sem piedade sobre sua pele, como se quisesse se por a prova e sentir a realidade. Não adianta. Entorpecida esta de tal forma que, nem mesmo o frescor que uma chuva de verão traz a faz emergir para a superfície.
         Passado. É o nome do cenário em que se encontra agora, naufragada novamente no ultramarino tom das profundezas. Nenhuma força faz para emergir. Seus membros, alias, parecem untado de chumbo, se locomovendo pouco. Ela não liga.
         Sob a chuva as luzes natalinas parecem esguichadas nas casas decoradas. A dela não é uma dessas, há muito deixara tais tradições para trás, assim como muitas outras coisas das quais se tornara irreversivelmente descrente. Porém, fora justamente um adorno natalino que a lançara de volta ao passado, que a fizera ir para a chuva e tentar sentir a realidade que lhe escapava cada vez mais pelos dedos, ou talvez...talvez apenas usar a tormenta para esconder suas próprias lágrimas.
         Ela pensou, quando finalmente teve algum motivo para montar sua arvore de natal, justamente as vésperas do mesmo, que aquilo não era a toa. Na verdade, surpreendeu-se ao lembrar o que exatamente  significava.
         Significava a passagem do tempo. A percepção de como o tempo passa num suspiro. E não era um pensamento poético, ela percebeu. Não, era a realidade, pois, olhando em volta ela podia ver sombras do cenário que, naquela mesma data, ela também estava, porém com um ano de diferença. Parou o que estava fazendo, surpresa em como não havia percebido o motivo  de não conseguia pensar no natal como nos outros anos, porque ele parecia bloqueado em sua mente até aquele momento. Porque fora naquela data de estranha aura festiva que tudo mudou. Exatamente nela. Olhou ao redor, pensando em como podia se lembrar de todas as horas daquele dia como se fossem uma contagem regressiva para a tragédia iminente. Pois talvez seja como dizem: você tem seus melhores momentos na iminência da morte.
         E uma parte dela se foi naquele dia. Há um ano atrás, exatamente onde estava. Olhou a arvore pronta, como costumava fazer em épocas vindouras e percebeu que ter tido uma vontade repentina de montá-la parecia uma forma de seu inconsciente de lhe mostrar o que a estava bloqueando, de tirar a venda de seus olhos para sua aversão ao natal daquele ano. Mas será que isso era bom? Ou era um castigo?
         Se estava camuflada até agora, depois da lembrança despertada, fora impossível continuar sob seu disfarce humano. Algo parecia inflar-se dentro de si, como se não coubesse naquela que usava a roupa humana, a expressão que nada revelava. Aquilo que estava dentro de si só encontraria espaço para revelar-se, para não implodi-la se ela se liberta-se da carapaça.
         E por isso estava ali sob a chuva densa, tentando encontrar nos grossos pingos de água gelada algo que neutralizasse a dor que agora sentia, o peso, o arrependimento por tudo ter terminado da forma que acabou. Só não encontrava, e achava que precisava ficar debaixo da chuva apenas para que a solidão a ajudasse a esquecer talvez aquela risada sarcástica do destino a lhe desejar um feliz natal.


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