segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

O Sonho - Introdução



Acordou ofegante no meio da madrugada. Seus olhos aflitos fitaram a escuridão do quarto, mas na verdade é como se ainda estivesse vendo as imagens do sonho. Aquele terrível sonho recorrente.
         Ficou alguns minutos quieta, afundada no travesseiro, como se temesse que qualquer movimento pudesse trazer o sonho de volta. Maldito sonho.
         Depois de passado os momentos de apreensão, o sono desvaneceu-se e sobrou apenas um gosto acre na boca e um peso singular em seu intimo. Preferia ter pesadelos com monstros míticos e perseguidores sem rosto do que aquele tipo de  sonho, aquele que parecia uma brincadeira de mau gosto de seu inconsciente, a revirar o que ela preferia deixar nos mais profundos dos vales de sua mente para tentar esquecer.
         Mas como esquecer se, ao fechar os olhos não se tem mais controle sob aquilo que se quer ou não ver? E o seu próprio corpo lhe trai, trazendo a superfície  justamente o que devia ficar bem soterrado, aquilo que muito tempo demorou sequer para chegar lá no fundo e ficar quieto como um baú velho, sem ninguém mexer.
         Ela suspira, irritada com a constatação de que, por maior que fosse seu esforço em esquecer certas coisas, em não tocar no assunto com amigos, parentes, para que nenhum deles possa cometer o deslize de trazer lembranças dolorosas a baila, é ela, e apenas ela que rompe as paredes de sua própria fortaleza e adentra para um massacre particular de suas emoções. As imagens podiam ser oníricas, mas o gosto amargo em sua boca era bem real.

         E há esse peso que a impede até mesmo de se levantar. Ainda chocada pela sua autotraição, questiona-se: Porque? Porque impor que eu veja um teatro maluco encenando possibilidades dolorosas? Porque me jogar coisas na cara quando estou silenciosa e desesperadamente tentando me esquecer delas? Será por isso, para me mostrar que por maior que seja meu esforço em tentar curar as feridas, sempre haverá um rival insuperavelmente mais forte do que eu a rir-se dizendo que de nada adiantará? Que será justamente esta sua força: esperar que eu esteja confiante em minha cura para jogar novamente um balde de acido por cima para que a ferida nunca cicatrize e fique ainda pior?
         Ela segura o travesseiro com força, com raiva.  Tenta conter o ímpeto de dizer um palavrão, gritar ou chorar. Não se dará ao luxo de nenhuma dessas reações explosivas, embora o choro seja o mais perto que ela esteja de fazer.  Só queria que aquilo parasse, e ela pudesse seguir em frente.
         Mas como? Se esse maldito diabo me puxa pelo tapete para trás. Sem dó, pois ele desconhece compaixão.

         Porque você não me deixa em paz?

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