Mostrando postagens com marcador Crônicas e Escritos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Crônicas e Escritos. Mostrar todas as postagens

domingo, 18 de setembro de 2011

Fuga

        
         Explosões. A menina fazia aparelhos eletrônicos como celulares explodirem nos bolsos e mãos daqueles parasitas sobrenaturais, dando-lhes tempo para uma fuga apressada. A moça fez mais. Fez tudo ir pelos ares.
             Tudo o que importava para eles.
            Estava ali desde o inicio para aquilo. Trabalhou a manhã toda naquele forno que era o subsolo que conservava em temperatura quase infernal aqueles casulos. Precisou se livrar de um ou dois sentinelas, mas já estava acostumada a inconveniências. Só não esperou que precisaria detoná-los antes da hora.
Não. Não era verdade. Se, de tudo o que acontecera naqueles poucos minutos elegesse o que mais a tomou de surpresa, aquela não seria a primeira coisa a lhe vir em mente. 


O choque da explosão ainda retumbava em sua cabeça, mas não tanto quanto a da menina ao seu lado. Ela ainda tremia, apavorada, incapaz de erguer os olhos e ver que já haviam se distanciado. A fumaça preta inundava o céu e tapava momentaneamente o sol, dando ao ar uma aparência empoeirada. Olhando-a, a moça pensava que podia esperar por uma reviravolta qualquer partida deles, daqueles do qual fora atrás. Eram cheios de traição e por mais bem treinada que fosse, haveria sempre algo de novo a se encarar.


Mas ela lhe pegou de surpresa. Não esperava por uma interferência humana, de alguém que precisasse de sua ajuda. Não esperava por ninguém, aliás. Há muito tempo que sua única companhia era o próprio reflexo no espelho do carro e o banco do carona era preenchido pela mochila inseparável. Ela agora jazia desajeitadamente atirada no banco de trás, enquanto a menina, pálida, tentava recuperar a respiração ao seu lado. Aquela situação podia ser uma irrealidade para aquela garota, porém para ela, tê-la em sua companhia em tal momento é que era a verdadeira irrealidade.
            Pisou no acelerador. Não com medo da perseguição, ela talvez viesse. Mas para tirá-la logo dali. O sangue já escorria por entre seus dedos.




            Crepúsculo. 
         O entardecer foi lento e o laranja guinchou, transformando o sol num grande olho vermelho. Isso intensificou a paisagem desértica da encosta da estrada que pegava fogo. Nada daquilo parecia certo, até mesmo para os olhos da moça que planejara algo parecido. Não apenas naquele posto, mas nos outros no raio de distancia que conseguisse alcançar. Planejara por mais de um mês e agora era como se seus pensamentos se traduzissem em atos pelos quatro cantos. O que estava acontecendo? Era a tradução de seu olhar pelo fogo e fumaça que se estendia toda vez que do horizonte vislumbrava-se a estrutura metálica de um posto.  Agora até Maris tinha coragem de olhar, embora seu corpo continuasse tenso, como se do meio daquela fumaça, fosse sair uma horda que as reconheceria e lhe tomariam o encalço.



            Anoitecer. 
         Tudo era longo naquele dia, mas quando o céu mostrou os primeiros tons de anil, logo todo ele se tingiu de negro. Ou talvez fora as nuvens densas que adiantaram o escurecer do dia e o brilho não era das estrelas, mas dos relâmpagos sedentos por se desfazerem em descargas elétricas na terra desprotegida. Fora nesse horizonte apocalíptico que encontraram um desvio na estrada e seguiram por uma trilha no campo deserto. Era como se estivessem se encaminhando mais rapidamente para a tempestade e Maris engoliu a seco a sensação de desconforto com o céu coberto de nuvens imensas de chuva, brilhando de instante em instante como um gênio maligno só esperando elas se aproximarem mais. Sentiu-se pequena diante das rajadas de vento e da poeira que subiu contra o para-brisa, mas sempre que olhava para a mulher que conduzia o veiculo, ela estava da mesma forma que saira daquela lanchonete coalhada de monstros. Impassível, concentrada no que realmente importava. E não era no medo. Perto dela sentia que a escuridão não era a pior das coisas, mas o seu próprio medo diante dela. Tinha de se controlar, ou aquele sangue entre seus dedos não pararia de jorar.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Um dia assombrado

10 anos depois.
Não parece que foi ontem.
O que parece é que a cada ano dessa década que se passou, a chuva e papeis e fumaça toxica que tomou conta não apenas do lugar, mas da mente das pessoas, foi se dissipando. Lentamente. Lentamente. 

Hoje, após uma junção de pequenos fatos revelados de forma perplexa até para os mais esclarecidos, as coisas vão ficando claras, vão tomando forma e significado. Até parece uma pintura de Monet, uma paisagem de sonho que demora para tomar, com a luz do dia, definição.

Mas não estamos falando de um sonho. Não se chega nem sequer perto disso.
Estamos falando de um pesadelo real. Uma combinação mortífera de terror. Mas não se engane, este terror nada tem a ver com o termo que usaram como camuflagem: terrorismo. O verdadeiro terrorismo esta bem aqui, bem longe dos países árabes. Ele esta nas mentes subversivas do capitalismo. 

Não é preciso me embasar em teorias conspiratórias para dizer o que digo. Não existe teoria da conspiração. O que existe é uma maneira de vedar nossos olhos, ridicularizando o óbvio a ponto dele se tornar duvidoso e especulativo. É virar a mesa da verdade a favor de quem quer ganhar o jogo, manipulando o modo como nossas mentes questionam o que é evidente, a ponto disso se tornar uma ilusão, uma faceta confusa. Nós nos tornamos confusos. A realidade se torna ilusória e acreditamos naquilo que nos fazem acreditar. É um jogo mental, antes de mais nada. Uma guerra fria tecnológica, moderna, que se utiliza de disseminação em massa do medo através de imagens hediondas, através de atos indizíveis. O que dizer diante de um ato dessa magnitude? Como podemos nos questionar sobre como tudo isso começou ou quem era o verdadeiro culpado, quando as necessidades mais primitivas estão em alta nos poucos minutos que se tem para se salvar. Ou nas horas em que passamos vendo, bestificados, tudo o que jamais se sonharia acontecer, acontecendo. 

Quem planejou, fez muito bem feito. Cada detalhe sórdido muito bem esquematizado. E duvido muito que isso tenha qualquer coisa a ver com o outro lado do mundo. Uma forma tão massificada e sofisticada de terrorismo germina abundantemente em terras norte americanas há muito mais tempo que a história pode contar. Esta no sangue do poder absoluto: o sacrifício de muitos em prol do beneficio comum. Exemplos não faltam, faltam bocas para dizer, ouvidos para escutar, mentes para interpretar. Um não consegue chegar ao outro e assim, o silêncio se dissemina, como uma ligação cortada no meio.
O som do fosso. Do nada.

Guerra ao terror?
Eu ouvia isso sem entender. Como conseguiram disparar uma chamada dessa tão rapidamente? Como encontraram o alvo, aquele a quem deveriam caçar por ter cometido aquela barbaridade numa velocidade tão impressionante, como se só estivessem esperando um sinal para começar esse teatro?
Deus...

Eu tinha 14 anos e olhava sem entender. A mídia tentava implantar aquele pensamento de qualquer maneira em nossas mentes, despejando de quarto e quarto de hora chamadas sensacionalistas, ditando o caminho que todo o planeta passaria a seguir daquele dia em diante: quem eram os culpados, quem deveríamos odiar, quem deveríamos apoiar nesse momento difícil. E por mais nova que eu fosse, e por mais que minha cabeça pudesse ser facilmente influenciável por esse recurso infalível, eu continuava sem entender. Algo, no fundo de tudo aquilo, não parecia muito certo.
De onde veio essa guerra? Qual o motivo de terem feito isso? Por quê?
Por quê?

Engraçado, ninguém respondia essa pergunta. Todos estavam focados no presente. No futuro. Mas não no passado. Não nos motivos. Era a onda de choque ainda fazendo efeito, sabe? Aquele ataque muito bem coordenado, feito especialmente para abalar as estruturas mentais de meio mundo. Não tínhamos tempo para questionar, estávamos todos muito chocados, perplexos, confusos, como se fossemos nós também que estivéssemos abaixo daquela nuvem monstruosa de fumaça e papel picado que caia vultuosamente sobre todos. Aposto que se fosse mesmo uma represália do terror árabe, ambas as torres estariam de pé, talvez até hoje. Estariam deformadas, como uma chaga, uma cicatriz feia na face do bom menino do ocidente. Teria derretido ambos os andares superiores, e seria uma imagem feia de se ver durante algum tempo, na paisagem nova-iorquina. Mas não. O teatro começou bem antes, e da forma sádica típica que se vê ao longo da historia desse país e desse tipo de povo, que tem raízes em lugares onde o mal parece germinar como uma coisa medonha, em forma de homens de pensamento distorcido. E o palco foi bem preparado, e os atores colocados em seus lugares para desempenhar um papel. Mas neste teatro satânico, tais personagens não tem o direito a decorar um texto. São como uma grande leva de figurantes. Boa parte para desempenhar um papel póstumo. Houvera as vitimas dos aviões, cuja fortaleza aérea norte americana deixou escapar de seu grande olho quatro aviões comerciais das rotas definidas, perdendo-os, num ponto cego, tempo suficiente para que fosse cumprido o intento abissal. Houvera as pessoas nas torres, que ouviram, confusas, do sistema de segurança ativado após as explosões, que deveriam permanecer onde estavam. Na segunda torre, não informaram qual era o problema na primeira e mandaram que todos voltassem para seus escritórios. Um prédio que era considerado uma fortaleza, tinha paredes de concreto falsas, tão frágeis quanto gesso. Fáceis de quebrar, desintegrar...mas de conhecimento restrito. Se as pessoas que ficaram presas la dentro soubessem disso, teriam conseguido se salvar? Orquestravam, silenciosamente, um massacre, uma queimação de arquivo em grande escala. Planejaram as mortes dessas pessoas cuidadosamente, primeiro, porque o impacto de uma carnificina em grande escala seria muito maior do que a de um arranha-céu que queimasse sozinho. Segundo, quem estava la dentro pode constatar que o que estava acontecendo ia muito além de um atentado externo. Estavam diante de um atentado patriótico, para um fim maior, feito de dentro para fora e de fora para dentro, simultaneamente. Foram pegos de surpresa, traídos, e silenciados, muitos, para sempre.

É horrível ver essas cenas e pensar no tamanho dessa crueldade. Mas não adianta pensar nas coisas dessa forma. Para quem fez, isso fora apenas um meio para um fim. Sujo, grandioso, medonho, ousado, insano...era uma forma de marcar, globalmente, e bem, os novos inimigos, os novos objetivos, as novas prioridades. O novo caminho para onde o dinheiro iria caminhar, num duto de ideias pervertidas, de petróleo e de sangue.
Eu vejo essas imagens 10 anos depois e finalmente posso ver. Na época minha grande frustração era não conseguir enxergar o que estava acontecendo sob o véu de confusão a qual estávamos sendo constantemente bombardeados. Eu me esforçava para apurar os olhos e sentir o que via, mas o ruído midiático, politico, de imagens, sons e especulação nos envolvia numa lobotomia passageira que demorou a passar. Eles conseguiram alcançar seus objetivos: fomos tragados e levados pelo mar de desespero junto com as torres que viraram pó. E passamos a acreditar no mantra que eles recitavam, deixando nossas leves suspeitas hibernarem quase que definitivamente sob os 15 cm de poeira densa que sepultou corpos, história, vidas na rua Greenwich.

A ficção imita a realidade, a realidade brinca com a ficção, quase sarcasticamente. Em Watchmen, há um grande plano para a bomba: explodir a cidade mais importante do mundo de modo que o terror gerado com a grande tragédia fomente outro tipo de sentimento, de necessidade. O sacrifício de muitos em prol de um. O profeta Daniel, no capitulo 8 de seu livro na Bíblia, fala sobre um carneiro, cujo dois grandes chifres representavam o norte e o sul, a beira de um rio, atacado por um bode, cuja face era um bico pontudo, que o leva violentamente até o chão. 911 é o número de emergência nos EUA, o número que congestionou em poucos minutos após a primeira explosão. Parece que, não bastasse o vulto da tragédia, ainda tinham que colocar uma pitada subliminar típica no meio de tudo. Ironicamente tipico mesmo.

Teoria da conspiração?
Não. É o espectador que resolve dizer uma verdade inconveniente, como ter visto os fios por trás das marionetes e perguntado os porquês.
Incomoda. E o que incomoda deve ser prontamente solucionado. Espanado para debaixo do tapete, silenciado. Comprado e manipulado. O que deixou escapar é coberto com uma roupagem pomposa, ridicularizado, distanciando assim, a verdade do fio condutor da compreensão.

E hoje o que me incomoda é abrir os olhos e ver e sentir. E a repulsa com o resultado é indizível. Chega a ser suficiente para perder a fé na raça humana, pois hoje temos todos os recursos necessários para sermos diferente, e no entanto, eles continuam sendo usados ao contrário, para causar ainda mais dor e destruição. Deus...será que é uma questão de tempo, de sorte? Será que tivemos apenas uma pequena demonstração do que todo o planeta é? Um grande palco, e nós, seus figurantes sem fala e som?

Como já dizia Albert Einsten:
“A mente que se abre a uma nova idéia, jamais volta ao tamanho original.”

Deve ser esse o grande medo do poder mundial.

Open yours eyes too.



sexta-feira, 3 de junho de 2011

Fragmentos de um (romance)

Em exercício de escrita livre para desenvolver melhor personagens que, bem, tenho me dedicado muito nos ultimos tempos, talvez para algo maior (quem sabe, quem sabe, rs). Resolvi postar aqui para não deixar apenas no fundo de mais uma pasta. Assim, sinto-me esticando os dedos e mostrando algum progresso (ahah).

Talvez não faça lá tanto sentido, mas como disse, é um exercicio de escrita livre, só para liberar os sentidos, as percepções...


(C...)
A lente escura, em certo momento de luminosidade, deixou-se ficar fumê, transparentada. Pude, sortudamente, ver seu olhar sério dirigido a mim, como um ser marinho que, de repente, deixa-se ficar mais a vista próximo a superfície. Quase estremeci, pois a combinação dele com aqueles lábios vermelhos mais a baixo, imóveis e salientes, me deixara, inesperadamente, desconcertado. Deus...Como ela era linda e perigosa”. 

*** 

(L...)
“Seu olhar era concentrado e quase sempre alerta. Descreviam uma curva pelo ambiente, até pararem onde queria, como se vasculhando e mapeando pontos de perturbação. Parecia-me que seu semblante gentil era uma mascara bem posta, não para enganar, mas porque ele precisava ocultar aquele homem mais severo escondido por baixo, nas sombras, entrando em cena quando o palco não tinha plateia. Os olhos, de um verde enigmático, ficavam transparentes nas chispas de sol, e fosforescentes na escuridão, e seus cabelos de fios negros e compridos, vezes serviam de cortinas para os mesmos, abrigando-os em pensamentos.”

 *** 

(M...)
A Maris me lembrava muitas coisas: me fazia ver uma adulta num corpo de menina, mas tinha a voz de uma menina, cuja alma já tinha ficado madura. Amadurecida antes da hora, como fruta forçada a pegar cor e viço. Cor pode pegar, pois é inerente da casca se desenvolver, mesmo de forma acelerada, mas por dentro...por dentro há de ter certo amargor, e talvez até dureza. Não era fácil abrir tal fruta e encontrar a doçura de uma que, naturalmente, vinha e crescia e tornava-se grande e linda direto do pé, do qual, só no tempo certo, viria a ser colhida e mostrada ao mundo. Não, fruta arrancada antes da hora já não é coisa boa. Fruta forçada a parecer bonita quando poderia muito bem estar morrendo, menos ainda.”

Será que ficou bom? :-)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A dificuldade de se dizer bom dia!

Quanto custa responder um bom dia?

Um segundo, uma breve entonação da voz, o flexionar de musculos?

Porque é tão dificil responder a essa saudação?

Já peguei-me a brincar disso e percebi como mal da metade das pessoas que atendo me respondem de volta. E eu atendo muitas. Teriam elas sequer ouvido o que isso quer dizer? Ou pensando se tratar de uma mera formalidade, não acreditam sequer que devam ser recipocras. E ainda tenho um pensamento pior, senão mais verdadeiro: seria o silêncio uma espécie de resposta? A secreta vontade de dizer algo que soaria estupido em voz alta? Pois acho que mais indelicado do que declarar sua insatisfação nas primeiras horas da manhã, é deixar de responder, deliberadamente, a uma educado bom dia.

Já aprendi a compreender muita gente e enxergar realidades que antes não percebia. Caixas, secretárias, atendentes, funcionários da 'linha de frente', aqueles em contato direto com o público, os escudos, a própria trincheira. Falando assim, parece que estamos a lidar com um universo perigoso. E é. O individuo quando vira público se torna nocivo.

Infelizmente, deixa brotar uma natureza primitiva, como se não houvesse o outro, mas apenas o 'eu'. Do outro lado, tornamo-nos a própria marca, a fachada, a instituição. Não somos a alma pensante, mas o saco de pacadas favorito, pois, aparentemente, não somos feitos da mesma massa de quem esta do outro lado. Somos o inimigo.

Um inimigo que não merece ouvir um mero bom dia, pois foi quem proporcionou seu primeiro desagrado da manhã.
Mesmo que sem querer.

Será que eu deveria, no lugar do bom dia, estar me desculpando?

Os mais entendidos do assunto, aqueles com olhar hostil e um suspiro desgostoso e proposital, deixam claro que sim. Que afronta sou eu, aquela que acrescentou mais uma grama ao seu pesado saco de interperies que arrasta logo pela manhã no calor matinal, querendo ser educada com meu bom dia. Ra-ra.
Que ousadia.

Acho que eu sou é corajosa.
Pena.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Desabafo de um monstro

Ei, cuidado. Não chegue tão perto. Eu não sou a pessoa que você pensa que sou. Por favor, não se engane comigo, te peço gentilmente isso. É para o seu bem.

Eu sou nocivo até para mim mesmo, imagina para você. Meu sorriso te encanta, mas minha pele pode te queimar se você se aproximar mais, por isso shiii....fique ai mesmo onde está. Tudo em mim serve para atrair, eu sei, mas antes que você possa se enfeitiçar eu me adianto.

Se eu tirar totalmente o meu disfarce você provavelmente ficaria louco com o choque e até mesmo uma brecha da minha mascara fariam os seus olhos ficarem arregalados de pavor. É, seu sei, já faz um tempo que descobri que sou um monstro. Eu evito me olhar no espelho e ver meu reflexo terrível, às vezes ele trinca um pouco, às vezes minha imagem se embaça pelas lágrimas em meus olhos. Eu as evito, pois as lágrimas são as portas para o meu demônio interior começar a me consumir. Uma fraqueza momentânea e por vezes inevitável, alguns grãos a mais na areia da balança do meu equilíbrio. O descontrole é a mão que empurra a porta para esse quarto escuro. A fresta da luz me incomoda, a luz é a verdade e a verdade é tudo o que um monstro odeia.

Então eu odeio a verdade? Hmmmm....ora, o que foi, porque essa cara de espanto e desprezo? Eu não disse que era nocivo? Eu já comecei com a verdade, um privilégio sobre mim, então não se espante mais. E sou a antítese da verdade, tudo em mim é ilusório, é como vidro rachado, lançando fragmentos diferentes de luz conforme a direção. Qual o verdadeiro? Talvez nenhum, talvez o mais bonito, o mais convincente, o mais forte, o mais discreto, o mais evidente, depende do momento, de quem olha. Mas eu sou assim, um milhão de facetas diferentes, de capas, de mascaras, de cascas, de peles de camaleão. Perdi a capacidade de ser verdadeiro porque a verdade me incomoda. Eu aprendi a gostar do lúdico, do impossível, do surreal, que me leva para longe da corriqueira vida verdadeira que todos vivem. Absorvi pequenos fragmentos do que as pessoas gostam para ser aquilo que elas querem e desejam. Você é fascinante. Não, só estou jogando com você, observando seus gestos e jeitos e me adaptando como um camaleão para ser aquilo que você quer ver. E para ter aquilo que eu quero.

Manipulador? É, sim, eu sou. O comportamento humano é por demais fascinante para eu ser indiferente. E se reagrupando pequenas peças eu puder mudar a ordem das coisas tornando-as mais interessantes? Você acha que vou perder se puder fazer? É meu passatempo.

Acho que já te choquei bastante, não é? Acha que tenho veneno no lugar de sangue correndo em minhas veias. Sou tão perverso que não consigo acreditar em mim, na minha falsa ingenuidade tão dissimulada e engraçada. Como eu posso ser tão convincente?? E ainda me perguntam como posso me divertir com isso! Por isso não se engane, eu sou uma mentira em ultimo grau e estou dizendo isso sinceramente a você, aproveite a oportunidade para ouvir, esse é um momento que não se repete.

Eu sei que vai chegar uma hora que nem eu vou saber o que sou, de tão fragmentado que me tornei. Não sei o que acontecerá nessa hora. Sim, eu fico com um pouco de medo, você acha que não? Acho que nesse momento irei ouvir o eco do vazio que se forma dentro de mim e finalmente sentir medo da solidão que hoje é uma escolha. Vai haver choro e ranger de dentes, mas principalmente calafrios na espinha. Se hoje eu não me importo tanto com os humanos, nessa hora eu estarei desesperado por companhia. Sim, meu futuro é terrível, é o que acontece com todos os monstros, estejam eles desmascarados ou fundidos com seus mascaras. Acho que meu caso será o último.

É cada vez mais difícil me ver sem a mascara, eu normalmente estou no quarto escuro, a fresta de luz iluminando o espelho no qual não quero me refletir. Lá está, você quer que eu descreva para ficar mais fácil? Lá está uma face dúbia, isso, nem mesmo o meu rosto verdadeiro é mais inteiro, tudo em mim esta trincado, multifacetado. Lá está a metade da minha face mais iluminada, justo a mais deformada. Parece a pele de um lagarto, cinza, rachada, áspera, o olho amarelo tem um brilho sinistro e soturno, os lábios num sorriso repuxado, marcado numa eterna careta sarcástica. Comecei a usar permanentemente uma mascara para esconder essa parte, eu sempre gostei de mascaras, elas começaram a ser uteis. O que aconteceu? Não vem ao caso, senão não estaria te descrevendo e sim te mostrando esse horror, você compreenderia tudo num piscar de olhos, mas não garanto que conseguisse tirar a imagem da sua cabeça. Meu bem, estou te protegendo aqui, não percebe? É só não ficar muito curioso, minha serenidade esta sob o controle de uma balança sensível ao toque do nariz de alguém.

A outra metade, pouco iluminada, é a mais inteira. Ela ainda não sofreu tanto, o olho preserva o castanho escuro, o lábio ainda é, mas já foi mais alegre, com mais luz. Agora alguns arranhões tingem as bochechas de vermelho e meu olhar é severo.

Bem, bem...é isso, não tem mais nada para ver aqui, satisfeito?

E minha solidão não tem nada a ver com muros que construí ao redor de mim. Sabe o que construí? Uma torre. Uma torre alta e difícil de escalar. Não há muros, então ao mesmo tempo em que estou recluso em minha paz qualquer um pode se aproximar, acenar para mim que estou numa janela lá no alto. Eu vou retribuir conforme meu humor. Às vezes fingindo que não vi, às vezes fuzilando com o olhar de "o que você quer aqui?!", às vezes talvez jogando uma corda para você subir. Mas é preciso me cativar. Eu sou um monstro sensível.

*   *   *

sábado, 24 de julho de 2010

Nostalgia

Foi o mundo que diminuiu ou a gente que aumentou? Ou foram nossas percepções que mudaram com o passar dos anos em que crescemos?

Olho para uma casinha onde funciona uma pré-escola. Tudo muito simples, onde crianças estão como as outras crianças, livres, curiosas, pequenas e com uma noção de mundo gigantesca. Logo atrás existe, fechado por um portão de grade, um terreno imenso e vazio, apenas com algumas arvores e arbusto baixo.
Olhando daqui, apesar do tamanho, não é uma floresta desconhecida. Provavelmente se andasse meio metro dele perderia o interesse pelo descampado de mato ralo. Uma bela paisagem para um artista? Talvez, mas ainda precisaria de muito para ser interessante.
Mas pergunte a uma criança o que ela vê neste terreno.Pergunte a criança dentro de você, se ainda a encontrar, o que ela sente ao ver aquele mato pelas grades do portão.
A sensação maravilhosa de nostalgia volta, como um perfume antigo que emerge das páginas de um livro foleado depois de muito tempo e ao tocar o seu nariz lhe provoca um sorriso.

Para a criança aquele é o desconhecido. O gigantesco mundo desconhecido. E que ela esta ao mesmo tempo que assustada, ansiosa para ver. Um mundo que tem hora e permissão para ser visto, degustado e por isso é ainda mais esperado, respeitado.
Olho para o terreno vazio e penso numa mão adulta e indiferente abrindo as grades do portão, mas que são o umbral do reino desconhecido para o pequeno ser ansioso que o atravessa correndo, com o coração aos pulos de certa emoção sem nome. Ao pensar pelos olhos desse pequeno ser, vejo como o terreno se tornou imenso agora, cheio de seiva, enquadrinhado aos poucos em zonas particulares, a arvore que faz sombra, a outra que é boa para subir, o terreno para o pega-pega, ou aquele onde tem flores, no meio ficam os mais afoitos em brincadeiras acaloradas e no fundo...bem, o fundo é o terreno para os corajosos ou para os esconderijos ou para os segredos muito secretos. Por esses olhos pequenos de vida tenra cada ponto que se aproxima do final do terreno é como uma aventura maior, em direção ao verdadeiro desconhecido, de certa forma o lugar para se temer e se ganhar. Teste sua coragem indo até lá, até onde o silencio se avoluma e o som vai ganhando eco junto a brisa soprada na grama que se intensifica. Porque quando se é criança o mundo é tão grande que mesmo um terreno no fundo de uma creche pode ser uma terra de maravilhas e onde conseguimos testar nossos primeiros medos. E vencê-los.

E então ouço uma voz me chamando para aquele mundo que diminuiu, fazendo a magia do momento se romper. Vejo que o terreno esta mais silencioso do que quando o vi da primeira vez, talvez ainda procurando ecos das risadas do passado. Sou surpreendida por uma funcionaria do lugar estranhando minha expressão introspectiva. Era hora de ir, hora de enfrentar os medos que ficaram maiores e inevitaveis, mas cuja força para vencer, eu sabia, começara dali. Sorrio ao pensar nisso, na pequenez inocente construindo imperceptivelmente as bases do futuro do qual nem sonham ainda.

domingo, 27 de junho de 2010

Mais um dia


Mais um dia. Quarta. Quarta era seu dia favorito, não sabia bem porque, talvez porque fosse o meio da semana, entre os dois dias iniciais e os dois finais, entre o primeiro dia do fim de semana e o último. Era quarta e já estava desejando uma dose de vodka limão. E ainda nem era dez da manhã. Precisava se concentrar, mas não conseguia, e seu dia-a-dia estava se tornando levemente estressante e assustadoramente monótono. Não pela repetição das mesmas coisas, mas por uma sucessão de acontecimentos diferentes que culminavam numa coisa só: pressão, estresse e desassossego. Nunca se imaginou alvo do que ela mesma achava impossível em si: Perder o controle. E o sono. A calma, a que todos achavam notável, ainda estava lá, mas aos poucos com a superfície um pouco chamuscada pelo inquietação muda em seu interior. Aquilo iria explodir, sentia isso toda vez que tocavam numa brecha invisível que fazia seu humor bipolar virar. E suas explosões a assustavam, pois ainda não tinha controle sobre elas, sobre o que sentia depois em relação a elas. Queria não estar presente quando os estilhaços voassem. Quem dera ter essa sorte.