domingo, 29 de agosto de 2010

Páginas de um caderninho vermelho

"Eu já não sou o que queria...devo ser o que me tornei." 
(Coco Chanel)

Agora...

Está acabando um monte de coisas... Ou melhor, o ciclo delas esta acabando, de modo que estou numa fase de reciclagem e renovação. Mais do que nunca.

Parece um imenso balanço dos últimos tempos. A faculdade acabou, começo a trabalhar, as portas do mundo estão escancaradas na minha frente e dessa vez não tenho o titulo de aluna para me dar cobertura.

A vida adulta chegou.

E a maior questão que me aparece nem é a que eu achei que seria típica desses tempos: 
 E agora?
Na verdade, a primeira questão é aquela bem mais intima.

O que eu sou?

Eis a pergunta que mais tenho me feito nos últimos tempos. Parece que lá atrás  o ano começou com essa incógnita. Sempre começava um ano novo escrevendo planos, pensando no que ia fazer de novo e de fato tenho coisas em mente, mas tudo parece fazer parte de um segundo plano quando penso nessa questão: o que eu sou? Ou ainda, quem eu sou?

Antes de fazer planos e estipular metas, parece mais do que importante responder a esta pergunta tão intima e que, percebo agora, deixei de lado por tempo demais.
Sem ela parece que não vou conseguir descobrir a resposta das outras.
Mas afinal, o que seria de nós sem sabermos quem somos...meros fantasmas.

Tudo começou com uma tintura de cabelo errada. Bom, digamos que já tinha começado antes, mas de maneira isolada e esporádica, que não me dava um sinal forte de alerta, apenas me incomodava um pouco, mas logo sumia.

Mas dessa vez isso e a perspectiva da mudança do começo do ano me fez ver as coisas límpidas e claramente. Parece que sempre são as coisas mais pequenas que põe enfim as maiores interrogações abaixo.

Quem eu sou afinal? Ou...O que eu sou?

Então começaram a me vir algumas respostas engraçadas...e óbvias...com cheiro de poeira do tipo que eu deixei por um tempinho num canto decantando, esperando para serem relembradas e voltarem a tona.

O que eu sou...

De repente eu me vi aos poucos sendo o que eu não era. Depois eu vi as outras pessoas me vendo assim e dizendo que eu era daquele jeito.

Mas eu era mesmo?

Ou era só a imagem que estava passando para os outros, mas que não era o meu “EU” verdadeiro?

Por um tempo, acho que bem no meio da faculdade para cá, resolvi experimentar algumas coisas, principalmente para mudar meu visual. Muitas delas foram boas escolhas (o novo corte de cabelo, a mudança das roupas ‘masculinizadas’ (influencia do único irmão...) pelas mais femininas...), mas outras eram por um desejo meio (Bobo? Estranho? Leviano?) de me adequar de certa forma, de seguir um estilo que me fizesse ficar longe do patinho feio que eu tinha sido sem ficar totalmente descaracterizada.

Mas de fato eu fiquei descaracterizada...
Tanto que até me atribui características novas que não eram exatamente da minha personalidade, mas do que achava bonito, interessante, ADEQUADO.

Tentei me adequar ao mais feminino primeiro. Boa parte disso deu certo (sem arrependimentos). Depois ao que achavam que ia me deixar melhor (embora eu não soubesse se ia ou não e normalmente tinha a leve impressão que ‘não’), algumas coisas que era suspeito de me deixar confortável (normalmente não deixava).

Depois veio a moda. Normalmente não sou de seguir moda. Mas ai surgiram algumas que casaram com gostos que já tinha antes, como cor do cabelo e de roupas. Ai foi o inicio da perdição.
Foi ai que começou a novela do chocolate.

Primeiro veio a ‘tendência’ da moda capilar: o castanho era a sensação. Mesmo que cabelo escuro nunca tenha sido minha praia, comecei a escurecê-lo cada vez mais, pois cores escuras eram a tendência...

Mas e quanto a mim? O que eu sentia era algo estranho. Como se estivesse levemente incomodada com a facilidade de minha decisão contraria ao que lá no fundo eu sentia que não era o que eu queria.

Mas o que eu queria não fazia parte das ultimas tendências da estação. Era uma tendência só minha e tinha medo de segui-la.


Mas por quê? E se eu não seguisse, a quem eu iria esta incomodando?
A única incomodada no final das contas era eu...

Mesmo que dentro de mim eu saiba o que quero, parece haver uma barreira que impede da minha vontade chegar até a superfície. É como se ela (esse fio d’água que separa as profundezas do mundo lá fora) estivesse por demais congestionado por ruído, detritos, por uma serie de pequenas coisas que me impedem de poder chegar com minhas escolhas intactas até o outro lado. É frustrante.
As minhas escolhas sempre se tornam as ‘escolhas dos outros’ pelo caminho.

O que eu sou afinal?

O que me privou por muito tempo da resposta ou sequer da cogitação disso foi algo que, pensando bem, foi meio bobo e compreensível.

Eu tinha medo. Do quê? Do passado.
Bem, é bobo, pois hoje eu sou forte para ver o que é bom ou não para mim. Tinha aquele medo do passado voltar, mas eu saberia como lidar com ele.

Compreensível, porque é fácil imaginar porque o passado me apavora tanto. Eu nem consigo olhar ele de frente. Foi uma época que tinha um certo medo que voltasse, de tão ruim que foi.

Eu achei que barrando o que eu era no passado, seria alguém melhor. Uma parte disso faz sentido, mas outra só tinha muito medo do que eu fui, de modo que bloqueou o retorno de tudo temporariamente, querendo criar um outro eu, que depois de um tempo começou a me soar falso e descaracterizado.

Isso era eu?

Digamos que fiz uma viagem de alguns anos, no meu interior, fora dele, no meio de todo mundo, como quem anda por um campo de varias flores, garimpando, tocando, provando, escolhendo, descartando, sentindo...

Larguei o estilo bruto que usava para me enveredar por vário estilos, provando o novo, o desconhecido, a moda, o batido, o exótico, para ir vendo de tudo isso, o que melhor se encaixava em mim.
No final, eu me sinto como se tivesse me desmontado, embaralhado, tentado me juntar com peças novas, que se encaixavam de alguma forma, mas não de outra, testando...até  que agora, depois de muitos encaixes e desencaixes me sinto enfim voltando ao rumo certo das peças, como se elas sempre estivessem lá, mas precisassem dessa bagunça, pois se juntaram a peças novas, se reinventaram numa figura antiga renovada perfeita. Ta, talvez não perfeita, mas está ótimo para mim.

Não é que o meu “EU” antigo vá voltar. É isso que tenho que parar de ter medo. Mas o meu “EU” verdadeiro sempre esteve aqui em algum lugar e a verdadeira essência dele estava meio submersa. Renovada, depois de tanta coisa que aprendi, vou saber direcionar ele para o caminho certo. Minha essencia natural precisa voltar à superfície.


2 comentários:

Gabi S. disse...

Existe familiaridade em alguns detalhes tão pequenos quando estou tentando conhecer você... Sempre tentando aliás.
Buscar o completo desenvolvimento de um ser, complexo, cheio de traumas, de medos, de experiencias vividas, boas ou ruins, em um principio aparentemente "aleatório" (digamos assim), como errar a tinta do cabelo, é algo que poucos conseguiriam fazer.
Com certeza tentar buscar em alguém o sentido que ela lhe tem, ou quem lhe parece ser, soa muito mais atraente do que viajar, profundamente pra dentro de si... É com certeza muito mais fácil também, eu diria.
Eu acredito que de alguma forma, saber quem somos nunca será exatamente uma busca cessada, somos esféricos demais pra existirmos apenas em uma definição, somos tudo e somos nada ao mesmo tempo. Você poderia explicar isso de alguma forma?
O importante é não perder a essência, o principal, aquele nucleozinho que mantivemos intacto desde a mais tenra idade, e de lá, permeando o que se puder julgar caráter, disseminar cada caminho possível, cada oportunidade proposta, invadindo os espaços escondidos da alma, cuidadosamente para que de cada um deles deixe seu brilho sem grandes ferimentos...
Bom.. É o que eu penso rs
Tenho tido vontade de escrever-te.. quem sabe em breve?
Beijos, Vê

a fantasista disse...

Legal o texto! Acabei me identificando com alguns trechos dele, pra vc ver que crise de identidade e interrogativas existenciais todo mundo passa. O legal é que a questionação acaba trazendo conclusões, respostas, mesmo que nem sempre substanciais ou inteiramente verdadeiras. Vá saber... Quem se conhece realmente? Quem pode ter certeza de que o que fala de si mesmo não é demagogia? Muitas vezes situações imprevistas nos fazem errar por caminhos inesperados, mas isso não quer dizer que isso fará de nós algo definitivo. O que importa mesmo é o que está lá dentro da gente, a nossa essencia, aquelo que não é sujeito a sazonalidade, isso sim pode definir o que somos e não situações momentaneas.