Acordou ofegante no meio da madrugada. Seus olhos aflitos fitaram
a escuridão do quarto, mas na verdade é como se ainda estivesse vendo as
imagens do sonho. Aquele terrível sonho recorrente.
Ficou alguns minutos quieta, afundada
no travesseiro, como se temesse que qualquer movimento pudesse trazer o sonho
de volta. Maldito sonho.
Depois de passado os momentos de
apreensão, o sono desvaneceu-se e sobrou apenas um gosto acre na boca e um peso
singular em seu intimo. Preferia ter pesadelos com monstros míticos e
perseguidores sem rosto do que aquele tipo de
sonho, aquele que parecia uma brincadeira de mau gosto de seu
inconsciente, a revirar o que ela preferia deixar nos mais profundos dos vales
de sua mente para tentar esquecer.
Mas como esquecer se, ao fechar os
olhos não se tem mais controle sob aquilo que se quer ou não ver? E o seu
próprio corpo lhe trai, trazendo a superfície
justamente o que devia ficar bem soterrado, aquilo que muito tempo
demorou sequer para chegar lá no fundo e ficar quieto como um baú velho, sem
ninguém mexer.
Ela suspira, irritada com a constatação
de que, por maior que fosse seu esforço em esquecer certas coisas, em não tocar
no assunto com amigos, parentes, para que nenhum deles possa cometer o deslize
de trazer lembranças dolorosas a baila, é ela, e apenas ela que rompe as
paredes de sua própria fortaleza e adentra para um massacre particular de suas
emoções. As imagens podiam ser oníricas, mas o gosto amargo em sua boca era bem
real.
E há esse peso que a impede até mesmo
de se levantar. Ainda chocada pela sua autotraição, questiona-se: Porque? Porque impor que eu veja um teatro
maluco encenando possibilidades dolorosas? Porque me jogar coisas na cara
quando estou silenciosa e desesperadamente tentando me esquecer delas? Será por
isso, para me mostrar que por maior que seja meu esforço em tentar curar as
feridas, sempre haverá um rival insuperavelmente mais forte do que eu a rir-se
dizendo que de nada adiantará? Que será justamente esta sua força: esperar que
eu esteja confiante em minha cura para jogar novamente um balde de acido por
cima para que a ferida nunca cicatrize e fique ainda pior?
Ela segura o travesseiro com força, com raiva. Tenta conter o ímpeto de dizer um palavrão,
gritar ou chorar. Não se dará ao luxo de nenhuma dessas reações explosivas,
embora o choro seja o mais perto que ela esteja de fazer. Só queria que aquilo parasse, e ela pudesse
seguir em frente.
Mas como? Se esse maldito diabo me puxa pelo tapete para trás. Sem dó, pois ele
desconhece compaixão.
Porque
você não me deixa em paz?
***