terça-feira, 9 de outubro de 2012

Se eu pudesse...


Se eu pudesse pedir algo, seria para que um dia eu acordasse e descobrisse que tudo mudou. Seria uma benção ser agraciada com a inexistência de minhas lembranças, e não estar mais aqui ao reabrir os olhos de manhã. Que eu pudesse ir para um lugar só meu, onde ninguém me conhecesse e minha vida pudesse recomeçar do zero. Se eu pudesse pedir algo...

            A caneta riscou a madeira na qual apoiava a folha de papel e então ela despertou, percebendo que acabara o espaço que tinha para escrever seu pedido. Piscou os olhos, que se encheram com a luminosidade súbita do dia que ela esqueceu estar ali naqueles poucos segundos no qual sua escrita repuxada rabiscou o pedaço de papel. Suspirou, vendo os poucos que ali estavam naquela hora matutina, visitando o alto do pequeno monte religioso e olhou para o que tinha escrito, percebendo que nada do que quisesse caberia ali. Ao invés de depositar seu pedido na urna que recebia aqueles pedacinhos de agradecimentos, rogos e lastimas, amassou-o na palma de sua mão, deixando a caneta que era usada por tantas mãos, para trás.

            Bem, se eu pudesse pedir algo, é isso. Mas eu sei que ninguém pode me ajudar. Nem o Senhor.

domingo, 22 de julho de 2012

Frase da semana



‘Me irrita como minha voz é bonita… o quão delicado eu sôo quando talvez o que eu esteja cantando seja profundamente ácido’. 

[Thom Yorke, vocalista do Radiohead]

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Eu acredito nisso.

sábado, 30 de junho de 2012

O que restou do dia...





Um dia estranho esse, com mudanças bruscas de temperatura. Não apenas no clima. O inverno paulista é estranho, mas o inverno humano pode durar bem mais do que uma temporada. Pode durar até anos, talvez décadas. E eis que no rastro de um dia muito negro uma luz se insinua para mudar a paisagem e dar um pouco de paz. Sim, foi na decepção da recusa que algo de surpreendente aconteceu para mudar novamente a temperatura, deixá-la num tom ameno que há tempos não sentia.

Infelizmente, certos momentos de paz não são duradouros, e não tem força suficiente para iluminar certas escuridões. São lapsos, clarões momentâneos que nos despertam num momento oportunuo, nos livrando do torpor que nos levaria facilmente ao abismo. Mas não tem força para esquentar completamente aquilo que o dia petrificara numa forma cristalizada, cortante e fria. No regresso, a sensação era a de ir perdendo aos poucos aquela centelha de fogo, de tranquilidade, para o frio, para a noite, deixando-a cada vez menor e sem energia para continuar se nutrindo de nada, sendo que o que a fizera forte não existia fora daquela redoma das horas de paz que curiosamente encontrara enquanto não estava procurando por nada. 

Era como estar com um torrão de açúcar numa das mãos e desejar, ao atravessar a nado um rio, chegar com ele inteiro do outro lado. Quando se abre a mão ao final das braçadas, por mais que se desejasse cuidar com todo o esmero daquele cubinho de candura e esperasse que ele chegasse em sua forma e essência, nem que fosse pela metade, tudo o que sobra é uma mera sombra que não resistiu a correnteza. E nas pontas dos dedos sente-se apenas o gosto daquilo que fora. 

O frio volta e a escuridão novamente espreita pela janela como um demônio não exorcizado. Mas pelo menos já não olha por ela procurando o angulo certo para se jogar e sim, cerrando as cortinas e desejando que aquele vestigio da temperatura morna que lhe trouxe certa paz, ainda que tivesse perdido sua forma concreta, estivesse um pouco no ar, em sua pele, e pudesse lhe confortar até que o dia enfim amanhecesse.

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domingo, 6 de maio de 2012

Pensamento da semana


Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes… Tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos. Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer:
- E daí? Eu adoro voar!

(Clarice Lispector)

(Eu adoro essa mulher...) 

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Frase reflexiva

"Estou um tanto quanto down...
O fato de existir muita gente na rua não muda nada na minha concepção de achar que vivo num mundo fantasma."

(Charles Canela)

 


domingo, 1 de abril de 2012

Crônicas da Fantasia

Eis um dia estou eu a navegar a esmo sem procurar nada em especial. Não lembro como, mas um link me levou a outro link e quando vi já tinha caido numa pagina da Editora Literata cuja imagem multicolorida e os desenhos simples de crias fantasticas me chama atenção. A chamada era diferente da que eu estava acostumada a ver. Desta vez não eram contos o objetivo da antologia anunciada e sim crônicas.
Crônicas....


Um dos encantos das crônicas é refletir sobre nosso cotidiano. Acontecimentos que vivemos, momentos que deixamos passar, pessoas que entram e saem de nossas vidas… E sobre o que ocorre no mundo da Fantasia? Alguém já se preocupou em pensar e escrever sobre isso?

A antologia Crônicas da Fantasia é um reflexo do mundo de nossos sonhos e pesadelos, um apanhado de fatos que nos fazem repensar sobre as atitudes e os pensamentos de criaturas nem tão diferentes de nós, e que no final, nos fazem observar a nós mesmos.

Afinal de contas, o mundo da Fantasia não é o mesmo para todos, e em cada um, acontecem muitas coisas a todo tempo e em variadas proporções. As crônicas fantásticas mostram como não estamos sozinhos no universo, e que sempre tem algo que nos surpreende." (chamada publicada em Outubro/2011 no site da editora)


Fui imediatamente fisgada pela proposta diferenciada. E tão já o tema me enfeitiçou, a idéia surgiu como as brumas esverdeadas da linda imagem que ilustra a capa, livro e cada crônica. Eu sabia bem o que iria enviar para concorrer.

Meu tema favorito sempre teve a ver com seres que carregam algum tipo de maldição, castigo ou arrependimento. Anjos e demônios permeiam os primordios da minha escrita e sempre serão personagens queridos, embora já tenha me embrenhado na exploração de outras figuras misticas. Mas dessa vez quis voltar ao tema de origem e contar o lapso de um dia díficil para um ser mitico que tem de viver no mundo dos homens. Foi aqui no blog que seu esqueleto foi gerado pela primeira vez, num fim de tarde furioso há tempos atrás. Veio de um desabafo no qual usava a metafora do anjo caido para expor meu deslocamento e frustração pelo cotidiano. As crônicas "Mestiças" são na verdade, páginas avulsas que voam quando os ventos se tornam impetuosos e é dificil conter a dor que os humanos causam uns nos outros. "Mestiça" porque existe este momento em que o humano se torna distinto desse lado quase sobrenatural de nós mesmos numa ruptura turbulenta, e ao mesmo tempo de se racha, descobre-se que não há como se separar totalmente, mostrando como somos mesclados e por vezes indefinidos. Nos tornamos 'mestiços', nem humanos nem criaturas. Até mesmo o texto se torna 'mestiço', sendo crônica, sendo desabafo, espichado, se explicando por si só.


Juro que não imaginei que fosse ser escolhido. Só de enviá-lo eu já me sentia de certa forma satisfeita, pois aquele desabafo, depois de rebuscado e narrado numa crônica de fantasia, parecia ter encontrado um proposito além da simples narração de uma angustia particular. Escrevê-lo sob o fundo musical (inspirador) de A Distance there is... dos noruegueses Theatre of Tragedy (escutem se puderem, aqui, além do post que fiz sobre a mesma, pois é simplesmente uma canção primorosa), em que a introdução, com sons de chuva e trovões me transportava para as ruas da ação da crônica e o lirismo da composição ditava a dor e melancolia dos sentimentos expressados no que eu escrevia...foi uma terapia e eu já me sentia bem de ter dado essas asas negras a este desabafo para que pudesse voar.

Mas eis que recebo a alegre (alegre mesmo) surpresa. Ele fora escolhido, dentre 130 inscritos, para estar junto de mais outros 16 autores selecionados num livro de crônicas. Uau!


Estar contente é pouco, eu me senti realizada. Consegui escrever um gênero literário que ainda não tinha explorado à sério (a crônica), consegui escrever um texto breve, o que no meu caso é para lá de complicado, pois sofro do mesmo mal de Stephen King ("elefantiase literária" rsrs), inseri neste texto o tipo de criatura fantastica que mais gosto e que esta nas minhas origens literárias e transformei um desabafo de uma tarde turbulenta na (oficial!) crônica Mestiça.  Demorou um tempo para cair a ficha de que, sim, era isso mesmo.


Um pouco sobre Crônicas da Fantasia

A antologia foi organizada pelo gaucho Cristiano Rosa (com quem divido espaço na antologia da Ed. Estronho "Quando o saci encontra os mestres do horror"), que é escritor/poeta e professor, e já publicou no livro Imagens & Letras 2 (2007), da Universidade Feevale, em O Segredo da Crisálida (2011) e Moedas Para o Barqueiro – Volume II (2011), ambos da Andross Editora e organizou a antologia Ventos Poéticos (2011), pela Editora Literata. Ele  mantém coluna sobre leitura no blog Litteratus e administra blog sobre literatura fantástica chamado Criando Testrálios. A belissima arte exposta atualmente no site da antologia e em breve nas paginas do livro, é de autoria do designer Renato Klisman.


Sinopse:

Um livro que fala sobre as criaturas mágicas, mas não por meio de simples contos, e sim com textos que levam o leitor à reflexão e ao pensamento de que mesmo não sendo humanas, elas são mais parecidas conosco do que imaginamos.

Os autores apresentam produções com os mais diversos seres: vampiro, fada, sereia, troll, ceifeiro, fauno, saci, zumbi, gnomo, feiticeira, anjo, elfo, sátiro, centauro, dragão... que levarão os leitores a mundos nem tão distantes assim do nosso, porém encantados e com cotidianos mágicos.


Lendo as crônicas da obra, podemos perceber e sentir a magia de cada criatura, se divertindo, se emocionando e se envolvendo com as narrativas, pois a visão delas sobre os mundos da imaginação refletem o nosso próprio universo.
 

Os 17 selecionados para Crônicas da Fantasia:
  • A louca que gritava na ponte, de Bruno Anselmi Matangrano
  • A primeira página, de Jefferson Reis
  • A viagem, de Nilo Gadioli
  • Cegueira, de Daniel Cavalcante
  • Desilusão, de Veridiana Ghesla
  • E se os zumbis viessem a existir?, de A. S. M. Spindler
  • Em plena sexta-feira, de Adriano Villa
  • Labirinto de concreto, de Alex Bastos
  • Memórias, de Camila Araújo
  • Mestiça, de Verônica Freitas
  • Namorado?, de Raquel Rosas
  • O desejo do fauno, de John Lennon Smith
  • O pior olhar da criatura, de Tânia Souza
  • O vendedor de balinhas, de Luiz Teodosio
  • Quando as sereias tornaram-se mundanas, de Lucas Borges
  • Satírico, de Daniel Gruber
  • Só por hoje, de Marcia Gomes

Além deles, ainda farão parte da obra textos do organizador e dos convidados:
  • Para onde vão as fadas quando crescemos, de Cristiano Rosa
  • O centauro e as flechas de luz, de Douglas Eralldo
  • Campeonato de beijar sapos, de Ana Cristina Rodrigues
O lançamento será dia 28 de abril, no evento 1ª Odisseia de Literatura Fantástica que ocorrerá em Porto Alegre. 



Curiosidades:

A idéia de uma antologia de crônicas fantasticas já me era bastante criativa, e ainda me surpreendo cada vez mais com o capricho dedicado desta obra. No site da antologia foi lançada a publicação, em todos os dias impares de março/abril, de um trecho de cada crônica selecionada e uma imagem (belissima arte, alias, e além disso, eu adoro verde!!) referente a crônica. Lindo e bem feito é pouco para definir este trabalho.

Eis a da minha crônica: 


Que chuva! Como os humanos conseguiam viver no meio daquele caos armado que é uma cidade, lá pelo fim da tarde, quando todos, ao mesmo tempo, resolviam fazer exatamente a mesma coisa? Onde estava a ordem? Como eles conseguiam se entender?"

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O restante delas esta na pagina oficial de Crônicas da Fantasia, clique aqui para conferir os outros talentosos trabalhos (tanto dos autores quanto de arte).

O organizador também disponibilizou uma degustação da obra para quem quer dar uma conferida antes de abril. 

No mais, organizador, artistas e a Editora Literata estão de parabéns pelo trabalho. Fico ansiosa aguardando o lançamento do livro (que conincide com a semana do meu aniversário, que presente maravilhoso de se ganhar!! ^_^), e em tê-los em mãos.

Um abraço à todos! 



domingo, 25 de março de 2012

Mestiça



“Que chuva! Como os humanos conseguiam viver no meio daquele caos armado que é uma cidade, lá pelo fim da tarde, quando todos, ao mesmo tempo, resolviam fazer exatamente a mesma coisa? Onde estava a ordem? Como eles conseguiam se entender?" 

Trecho de degustação de "Mestiça", minha crônica que teve suas raízes aqui no blog e agora será publicada pela Ed. Literata em "Crônicas da Fantasia", junto a belíssima arte feita para cada uma delas.